O Festroia – Festival Internacional de Cinema de Setúbal é o responsável pela minha entrada na área da tradução. Tendo-se tornado, ao longo dos seus 30 anos de existência, um dos maiores festivais de cinema portugueses, a sua organização dependia de uma pequena, ainda que empenhada, equipa, que integrei durante uma década.
Por sermos poucos, cada um acumulava diversas funções, cabendo-me, entre outras tarefas, editar a versão portuguesa do jornal do festival. Como este “editar” implicava assumir tudo excepto a paginação, fiz e traduzi para essas páginas dezenas de entrevistas a realizadores, actores e argumentistas.
Podemos, pois, dizer que comecei a traduzir por força das circunstâncias. Mas, com isso, descobri o quanto gostava de o fazer. A busca da palavra exacta, o captar e reproduzir com fidelidade o sentido do que era dito (os trocadilhos, a graça, a ironia), o encontrar, em português, uma expressão equivalente à que os entrevistados haviam utilizado tornaram-se desafios sedutores.
Estou capaz de assegurar que quem se inicia na tradução – por formação, vocação, necessidade ou por um misto destes motivos – nunca mais lê um livro vertido para português ou vê um filme legendado com o mesmo olhar.
Tendo começado a fazer trabalhos como revisora em 2003 (primeiro de estudos e capítulos de obras, mais tarde de livros completos), ganhei o hábito – para muitos, irritante – de andar numa permanente “caça ao erro”. Com o início das traduções, essa tendência agravou-se, já tendo comparado versões originais e traduções de livros apenas para confirmar a suspeita de um lapso (que também eu podia ter cometido, entenda-se). E estendeu-se aos filmes, claro!
Nasceu desta forma a vontade de tentar a tradução para cinema, desejo que concretizei no Muvi Lisboa – Festival Internacional de Música no Cinema, em 2015, quando fiz a tradução e legendagem dos documentários Efterklang: The Ghost of Piramida e Creative Despite War.
Mas 2015 trouxe-me outra experiência: a tradução literária. Se o cinema era um desafio ousado, a literatura era uma aventura intimidante… que me chegou através do Festival Literário de Macau – Rota das Letras. Quando li o primeiro conto, respirei fundo e comentei para comigo: “Não querias fazê-lo? Ora, aqui tens. Já disseste que sim, é tarde para recuos ou arrependimentos.”
Pior foi ter nas mãos os primeiros poemas. Coloquei a cabeça entre as mãos e fechei os olhos, naquela ilusão infantil de que, se não espreitasse em volta, me tornava invisível. No que eu me fora meter! De olhos cerrados, visualizava os tradutores consagrados e os novos valores de que dispomos nesta área e sentia-me encolher até caber na palma da minha mão.
Garanto que, não obstante tenha dado o meu melhor na tradução de poetas como Tammy Ho, Kit Kelen ou Agnes Lam, o meu peito só se expandiu de alívio quando esta última me disse que gostara do resultado final.